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Mostrando postagens de 2008

Outcome

Se tudo está bem, não há nada bem. E as saudades? Onde vai a garota colocá-las, agora que sua mala já está cheia de roupas e outras bobagens? Vou te levar comigo.

Desvendado

Há um clima geral de amizade por aqui. Mas não se encaixa. Querem o amor instantâneo, sem esforços. Desculpem-me, mas isso é muito enjoado, tais escolhas são a dedo. Avalia-se a longo prazo, pondera-se seus lados positivos, suas gentilezas e sorrisos. E, apesar de não ser competição, vence a mais digna. Não quero perder tempo com frivolidades. Gosto de idéias, de pessoas com idéias, da vontade e disposição tão raras por todo lado. Abomino músicas que não são músicas, o desafino, a dissonância, a autoridade com que se impõem. O mais importante, aqui, agora, sempre, é o coração. Então meus amigos têm coração, a ternura essencial em dose única para sustentar-nos face às tormentas do mundo. Eis meu mistério.

Hipoalergia

Tem tanta coisa. Tanta hipocrisia. Diferentes. Já tinha-me acostumado a um tipo; cansada dele, o perdi acidentalmente. E aí era felicidade, alegria, mais alegria que felicidade pela possibilidade de uns poucos (ah, se soubesse) meses sem teatro. E esse redemoinho me joga de novo em um tufão delas, das gordas, das chatas, das intoleráveis. Refinei-me com a idéia de não existirem mais. Agora, retrocedo-me ao passado, aos antigos modos feudais, para ver a vida como os outros a pintam. E não como ela é. Manterei a venda até que ela se rasgue sozinha mais uma vez. E veremos o nome do próximo herói.

Que não demore

Sinto que o dia tarda a acabar. As horas se esticam, os minutos grudam em mim vagarosos, pesados. O que é o tempo sem ti? Uma linha infinita, brilhante, muito brilhante, ofuscante. Uma linha sem meu ponto final. Não há graça no raiar do dia se ele não prenuncia teu sorriso. Vejo teu nome por todos os lados. As letras dançam, gozando de mim. Cruzo esquinas erradas, perco o rumo. Tudo tenho vontade de te perguntar. De apenas ouvir tua voz. A voz que tão carinhosamente me acaricia, nas noites ternas e quentes de sabor. Esse teu timbre que me abraça e em poucos segundos acaba com toda a tristeza. Não há o que fazer com a saudade de teus olhos, doces preciosidades, perscrutando minhas intenções. A falta de ser observada é imensa. Preciso de ti para contar de mim. Do único endereço amigo nessa terra de estranhos. O Rio sem ti não tem sol, não tem mar, não tem cais, e os barcos fogem daqui.

Dois minutos no metrô

Ventava, mas seus cabelos não se mexiam. Ela estava sozinha, única passageira para Zona Sul, meia-noite de sábado. Talvez Zona Sul fosse mais baladeira, ficasse até mais tarde pelas ruas. Ou o contrário, não se desse ao luxo de sair até tais horas. Mas aqui, do outro lado, Zona Norte, havia mais. Três pessoas estranhas sentadas, uma família com traços indígeno-paraibanos, uma mulher estafada e dois homens tontos de trabalho, de cerveja, fartos. Aqui os cabelos se mexiam. Os cachos invadiam os olhos, faziam propagandas urbanas de xampu, ficavam louros, vermelhos, negros. E lá, nada. Enquanto seu trem não chegava, ela cada vez mais se acoplava à paisagem. A meia-calça verde incrivelmente pendia à tonalidade herbal das paredes, e a saia jeans, coberta pela bolsa giz, não podia combinar mais com as cadeiras também brancas. Ajeitava seu lenço no pescoço, olhava à sua direita. Era como se não existisse mundo a sua frente. Ela queria o trem, olhava por ele, voltava e tombava a cabeça. Quem sa

Bomba-relógio

Tic. Tac.

Não sou poeta. Não crio, repito.

Hoje, tu já não contas histórias da corte, Hoje, tu já não indagas sobre mim. Sabes que sou tua. E o que antes era flerte, Virou uma paixão a maquiar-se no camarim. Fica mais forte quando sai desnuda Ao palco, ao céu de estrelas acima do carro. Nada sonhas, e, sempre que te agarro, Tudo me traz o desejo, ainda que me iludas. Quando o medo junto a mim se intervém, Vives pela vontade de me veres bem Ainda que num simples jogo de baralho. No abandono da vontade em que às vezes me alinho, Quem diria, quero teus beijos - tu és o que mais valho, Com a mesma boca que agora diz: lindinho!

Enquanto isso, noutra vida..

Todos aqui são normais. Só você fica assim, amarelada, estranha. O que acontece? Tenho certeza de que não é assim com os outros. Então por que ser assim comigo? Não te quero mal, lembra o sapo? Ele dizia que te quero bem! Lembra a lista? Dizia que você me quer bem também. Talvez a culpa seja daquele ano que nunca terminou, que eu interrompi. Assumo que a culpa foi minha. Mas não posso dizer que foi melhor assim. Não ainda. Vem, isso. Termina o ano primeiro. Sua vida está bagunçada, meu bem, eu não agüento mais ir à escola. Outro dia alguém veio-me dizer que estava com frio. E eu entendi que vivo com frio. Não importa quantos agasalhos ponha, o frio está vindo de dentro, querida. Minha coluna se torce por não ouvir falar de você. Sua risada me esquentava, suas piadas davam o tom à noite. Mesmo que idiotas. Ah, saudades.

Inspiração Anterior

Droga, eu a vejo. Branca, inocente, indecente! Pedindo-me, por favor, para que eu a rasgue, eu a risque, eu a rompa. Não posso fazer isso agora. Ou quem sabe possa apenas até pouco tempo. Imoral é ilegal, dá cadeia? Faço cálculos sobre o máximo de imoralidade com o qual se pode viver, mas são todos mentais, não me arrisco a me atrever. E preciso dela. Não me atrevo, e preciso dela. Números tão grandes! Certamente embaralham meu processador. Mas ela, tão ela, só ela.. Ameaço uma dobra, impertinência! Volto aonde estava, cabisbaixa, meretriz dos ângulos. Não são fibras econômicas, não são seda e não se desmancham sozinhas. Mas a água, ah, a água lhes traz vida nova. E eu, prestes a acabar com essa palhaçada toda. Alguém é fraco. Ser fraco deveria ser fator de periculosidade. Incapaz, sofredora! Sabe-se o quanto se suporta. Sem riscos, sem imperfeições, você é minha vítima frágil. O pincel, respingando, sufoca na minha mão e ainda não consegui vencer esse dilema ético. EI! DEVOLVE MINHA F

No papel

Era uma tarde chuvosa, bonita. Asas coloridas borboleteavam por reflexos rubros do líquido que escorria pelo metal. O sol ardia na fétida fumaça esmeralda que fumegava no bueiro, e a caneta testemunhava o sushi do outro lado do mundo, o desfile em Milão, a casa de massagens tailandesa, o pianista grego e as crianças no jardim-porão austríaco. O sino, por sua vez, igrejava a tensão da noite que chegava, trazendo o sul de volta a seu norte. Em um desenho.

Seu Francisco

Não me leve a mal Me leve à toa pela última vez A um quiosque, ao planetário Ao cais do porto, ao paço O meu coração, meu coração Meu coração parece que perde um pedaço, mas não Me leve a sério Passou este verão Outros passarão Eu passo Não se atire do terraço, não arranque minha cabeça Da sua cortiça Não beba muita cachaça, não se esqueça depressa de mim, sim? Pense como eu vim de leve Machuquei você de leve E me retirei com pés de lã Sei que o seu caminho amanhã Será um caminho bom Mas não me leve Não me leve a mal Me leve apenas para andar por aí Na lagoa, no cemitério Na areia, no mormaço O meu coração, meu coração Meu coração parece que perde um pedaço, mas não Me leve a sério Passou este verão Outros passarão Eu passo (música de Chico Buarque, "Leve")

De mesmo nome

Num espaço pequeno, tantas pessoas se esbarram. Deixo-o para depois a ele voltar. Sei que faz parte do meu futuro, apesar de estar no meu presente. E no meu futuro, presente será, que coisa. E meu presente, que futuro tem? O mais belo do mundo, apresentado num tempo que não tem espaço, não tem hora, não tem cor. Junta tudo e faz disso meu medo, minha aflição, meu desprivilégio. O que tenho a dar? Que tenho, sim, a esperar. Ansiosamente pelas passagens doces do avião.

Do/Ao Dia 17

Dizem por aí que a vida da gente precisa de alguém. Aquele especial que vai trazer as verdadeiras felicidades e os mais improváveis prazeres. Nunca acreditei nisso. Desde pequena, sempre quis viver por mim mesma. Tive meus casos, é claro, mas, ainda assim, não esperava muito deles. O que importava era o momento, e sempre foi assim. Tinha horrores à idéia do príncipe que me levaria ao seu castelo e seríamos felizes para sempre. Claro, eu me achava uma boa arquiteta. Sabia que meu castelo seria muito mais bonito do que qualquer castelo pré-moldado que alguém viesse a me oferecer. Aí veio um outro alguém, rompendo meus alarmes e barreiras de proteção. Fazendo o que muitos já tinham feito, só que de um jeito inesperada e deliciosamente diferente. E não sei se faço mal em afirmar aqui que o mérito não era exclusivamente teu. Tinha algo mais no ar, provavelmente o teu perfume, que me derrubou em uma única laçada. Esse teu cheiro boêmio, teus dentes magnéticos e tua fala tão sublime. Levou-me

Con-Indicações

Sinto muito por você. Quando vejo seus sorrisos, logo eles me trazem aquelas tardes no quintal de casa, as brincadeiras, os planos, as conversas de madrugada. Você era interessante, conseguia se dar bem em quase tudo sem muita ajuda, atraente. Tinha tudo o que queria. Mas passa rápido por meus pensamentos a época das primeiras saídas e descobertas, e dá lugar aos desencontros. Talvez porque na verdade você não tivesse tudo o que queria. Ou não quisesse tudo o que tinha. Ou quisesse torto, seja lá como isso for. Fato é que o estrago foi-se dando aos poucos, efetivamente. Inconstante, você me abordava cada dia de um jeito. Suas intenções variavam. Ou o que variava era meu grau de aceitação? Tentei lhe deixar em seu lugar. Tento, ainda hoje. Não que ele o seja ruim, desagradável ou profano - deve ser de seu agrado, afinal, cavou-o por si só. Embora eu me recuse muito a acreditar. Procuro possíveis álibis seus, mas, juro, não os encontro. Vou sempre guardar um carinho imenso, ainda que o r

( )

Adultos são tão infantis quanto seus sonhos os permitem ser. Jovens são tão maduros quanto lhes ditam suas experiências. Escritores são tão estranhos quanto reais.

Carta ao Bonde

Prezado Veículo, Conhecedor de vosso caráter particularmente público, venho por meio desta expressar minha profunda indignação ao fato ocorrido ontem, mais precisamente à metade do dia intitulado o oitavo do terceiro mês de nosso calendário finalmente gregoriano - finalmente, pois era inadmissível ter de esperar mais 400 anos para deixar Julius de lado. Enfim, triste me é perceber o quão distante vossa senhoria ainda se faz de vossos pobres passageiros pobres. Compreendo que tenhas toda uma tabela de horários, chegadas e partidas a cumprir, e que sejas instruído pelas mãos suadas de algum desjantado - e, portanto, desajustado. Ainda assim, pequenos segundos de inaptidão compromissal não justificam atitudes radicais como a vossa. O atraso que me acometeu no dia anterior a este estava fora de meu controle biológico, por maior e mais diversa que fosse minha fauna. Deus e todos os juízes hão de concordar comigo que as vísceras de um homem sofrem de TPMs incontroláveis. Pois bem, embora v

Por um fio

Um único fio é capaz de se enrolar quantas vezes? De dar quantas voltas, de se ajeitar em quantas maneiras? Há de se arrumar um jeito de contá-las! Escrevê-las, catalogá-las, politizá-las. Polemizá-las. Pelomenisá-las. De que é feito um fio? As saliências da sacarose muitas vezes não batem com as do amido, então que fazer? Um rato ainda é um rato, se perde seus dedos. É ainda melhor que muitos ratos. Que têm rabos tão compridos como fios. Que comem amido. Que deglutem a vida canto por canto, do mais cremoso ao enrijecido pelo tempo. O tempo clima, ou o tempo hora? Como separá-los? Uma ampulheta varia seu tempo se seco ou se úmido, ou os minutos que variam o clima conforme passam? Quem marca o quê? Há um fio em tudo. Um fio de areia, talvez. Mas um fio. Enrolado ou não, é fio. Plausível de perder-se da meada, da toada, da patacoada. Um fio que afina a voz conforme engrossa. Que tem medo da sua coragem. Esse fio come o que lhe cabe, sem muito questionar. Se lhe é leve, dorme ligeiro, pro

Arengas

A modernidade tem várias cores. Cada cor, uma palavra, cada palavra, mil dizeres. Cada um pendurado em uma letra. Não são mil letras, mas as palavras dão conta do recado. Sim, na maioria das vezes. Nas outras, talvez maioria também - há controvérsias e o IBGE ainda não divulgou seu parecer oficial, o corpo se encarrega do recado. Geralmente, os olhos. Mas a boca também ajuda. Quase ninguém repara nos vincos do rosto, mas quanto eles têm a dizer! Aliás, segundo dados estatísticos, apenas 8,34% das pessoas conseguem se comunicar plenamente com as mãos. Surdo-mudos não contam. Bom, podem contar também, e olha que vão além dos vinte dedos! Ah, calculadora manual, como você é requisitada! Vejo-a por todas as esquinas, espalhando seu perfume burro. Em livros também. Livros complicados de matemágicas extremamente simples, que enganam com facilidade observadores desatentos. Pois é, eles também são bons comunicadores. Os livros, quero dizer. Porque as pessoas têm problemas - não me diga - enorm

A nickel, a dime, a quarter.

Fácil como se perder na escuridão prateada dos La Paloma que não voltam mais. Que, aliás, não deveriam mesmo voltar. Que nem chegaram ainda. Pudera, alguém apertou o pause. E estava bem na metade! Que nostálgico, lembrou-me agora já ter dito em algum lugar sobre a alegria de histórias sem final. Infinitas. Completáveis, escrevíveis e o escambau. Delícia. Pois é, fácil assim. Não deveria, mas e aí? Assim se entende a dependência dos viciados, com a sua própria. Assim se glorifica o mundo, sem ter que olhar abaixo da linha da ponte. Assim é a anestesia, um prazer inconsolável. Mas ei, vovô me contou, o mesmo pó que nos adoece também nos permite admirar o sol nascer. Até o próximo comprimido.

No teatro

-Ele é mesmo bom, né? -Demais! -E ainda por cima, é um gato! -Ah, você acha? Eu prefiro o outro.. Ainda mais assim, de seminarista. Fica um charme.  Mas ele anda tão magrelo! -Impressão.. Olha aqueles bíceps! -E as pernas de saracura.. -Ah, vai me dizer que dispensava um homem desses? -Aí também não, né. Mas é que eu não caço faz dias.. -(meses) -O quê? -Nada, já viu como essa cortina é bem mais bonita que a do Palace? -É um tom de vermelho lindo. Mas, voltando ao que nós estávamos falando.. -Sim? -Seu homem tem um grave defeito. -Grave? Como? -Incorrigível. -E qual é? -A barba. -Oras, mas ele nem tem barba! -Por isso mesmo. Já percebi que seu pecado é a barba. Daquelas cerradas. Olha o Tom, o Edu, o Pedro.. -Não, não tenho nada disso. Foram apenas coincidências. -Como se eu não soubesse dos pedaços que você guarda de cada uma delas até hoje! -É apenas lembrança. -Sentimental. -Lembrança é lembrança, sentimental ou não! -E você não fica, à noitinha, deslizando os dedos sobre suas lembr

Retrospecto

Ontem me contaram da menina serpente. Vivia distraída e um dia se picou. Verteu ralo sangue pelos olhos. Deu gritos roucos por ar e ajuda. Embebedou-se com a luz das estrelas. E, como a dor não passasse, mordeu-se. Mordeu-se no intuito de acelerar a morte, acabar com sua vida dolorosa e ridícula. Já se conformara, aliás, já até entendera: o mundo, sem ela, continuaria o mesmo. Opa. Então, com ela, havia ainda uma chance? Sua seiva mortífera avançava pelas artérias, discutia ferozmente com seu coração. A menina mordeu-se da dor. Forte. Por longos minutos. E, assim, acabou o veneno por antídoto sem que ela percebesse. Enclausurada no silêncio da mata, foi-se recuperando. A cor voltou-lhe às bochechas e os olhos se acenderam. Pois bem os gregos já o diziam. Até hoje.