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Resolvido.

Sei que um céu nos separa. Um céu, nada mais que isso . As mesmas estrelas, satélites e planetas. Mas é esse céu que nos isola. Quando venta por aqui, o calor te abafa; Ao me bronzear, sei que a chuva te molha a fronte e escorre pelos lábios, E beijas cada gota como se fora a última esperança. Mas é esse céu que nos separa. Um dia, hei de dobrar a lona azulada que se estende sobre nós, E deitaremos juntos numa confusão de pés e estrelas.

O pensamento insone

Sonhei que tinhas outra. Que eram dela teus lábios molhados, os abraços apertados e os carinhos na nuca. Trocavam olhares como quem troca confidências no Arpoador. Sonhei que vivias noutra casa, entre paredes inóspitas e lençóis desconhecidos. Vi ainda algumas palavras atiradas ao vento, e este, zombeteiro, as trazia em minha direção, cuidando para que a dúvida permanecesse no ar. Recordo ainda uns poucos passos tímidos, desvanecendo-se na areia antes de se tornarem ondas. Lembro que, por fim, acordei, deixando a verdade oculta entre nuvens de intenções.

Um olhar duro sobre o serene

Eu queria pedir desculpas. Mas sabia que já não era culpa minha. Talvez nunca tivesse sido, na verdade. A velha mania de querer sempre me pôr na história, nem que fosse pra ser a culpada de tudo. A vilã, a mocinha, a figurante. Só queria participar. Se um dia algum destemido se propusesse a analisar as poeirentas páginas da minha infância, quiçá poderia dizer que fui muito reprimida, envergonhada, escondida. Mas apanhei muito até aprender a ficar calada. Cada estalo amargo era uma lágrima em silêncio que corria seca por meu rosto, ciente de não poder sequer existir. Aprendi a ser dura. Inclusive comigo mesma. Mas, como a larva que um dia se fecha e vira pupa, eu me abri ao mundo. Descobri que existir era muito mais que deixar calar. E talvez tenha tropeçado algumas vezes em deslizes infantis, sem saber ou poder saber escolher qual degrau era o mais firme. Por sorte, encontrei alguém ao meu lado, ajudando-me a subir a escada. Porém, também por ironia, acabei subindo degraus que ta

Sonhos são mais que sonhos

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Ao longo de toda sua história, a humanidade sempre foi permeada por rituais de passagem, em particular aqueles que levam a juventude à vida adulta. Nesses processos de transformação e maturação da mente e do corpo, muitas vezes nos encontramos insatisfeitos com a vida, procurando alguma compensação. E aí há quem procure substâncias lícitas. Substâncias ilícitas. Mas a primeira droga de todas é uma só: o sonho. O sonho é um esboço de um plano traçado com delicadeza pela mente, que acaba por se demorar nesse projeto por dias, meses ou anos a fio, mesmo que inconscientemente. Ele prontifica o cotidiano dos que vão à luta e transformam suas realidades, ao mesmo tempo em que serve de refúgio para quem se pensa incapacitado de agir. Para estes últimos, o universo onírico traz certa gratificação, sob a forma de compensação interior. Mas, para os primeiros, os que batalham e por fim alcançam a materialização de um sonho, há que se reconhecer a imensa alegria trazida pela prática e pelos e

Um pouco muito

De tudo ficou um pouco. Ficou um pouco daquelas palavras ao telefone, dizendo-me que não mais forçasse o mundo ao meu redor. E ficou um pouco de curiosidade, um pouco de desalinho. Sei que ficou um pouco de ternura, um pouco de teu áspero silêncio. Um pouco fica oscilando na embocadura dos rios, e esse pouco me encaminha sempre a ti. Um pouco, não muito: de uma torneira, pinga esta gota absurda, meio sal e meio álcool, que me embriaga de teus sorrisos. Mas um pouco desse desejo é sempre muito, às vezes amor, às vezes loucura.

Mais café!

Oi, estranha. Podia começar com o clichê você-vem-sempre-aqui, mas parece que já estavas aqui há um tempo. Eu é que não percebi. Tantos rostos comuns, bocas retocadas, íris coloridas detrás de lentes escuras e peles recobertas pelo bronzeado do sol. Fica difícil perceber o novo. Mas a vida é mesmo assim, de repente se impõe na frente de tudo e as coisas se esclarecem à força, ainda que prazerosamente. Mas me perdoa. Deixa eu começar de novo. Ontem peguei um café com dois torrões de açúcar e muita geleia de morango na torrada, e resolvi sentar diante do mundo em dezessete polegadas e percorrer moradas onde não me encontro mais. E qual não foi a surpresa quando me encontrei onde nunca havia morado, nos recantos sinuosos do enlevo da tua boca, agraciada por fundas covinhas ao redor, cuja gravidade na mesma hora me acertou. Meus olhos se encantaram pelo que viam, brilhando no redemoinho de afinidades com que me deparava. Desconfiei daquilo, pisquei três vezes para desembotar a visão, mas