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Mostrando postagens de dezembro, 2007

Capítulo Primeiro

O chinelo arrastando pela casa. A mãe e a vó no fogão, cuidando para que o frango fosse pontual e saboroso. O lustre da sala meio torto, meio pendido, cheio de mosquitos mortos. Os dois irmãos mais velhos discutindo a teoria de Einstein aplicada à corrida dos cavalos na televisão. O tapete enrugado, moído por tantas pisadelas descuidadas. O avô com seus jornais, contando ao filho, talvez pela enésima vez, suas histórias de guerra. O pratinho de azeitonas quase caindo na beirada da mesa. Os cachorros latindo, as rodas levando os carros adiante na rua. O chiado do fogo, baixo, ensurdecedor. Tudo sempre igual. Verdade que tia Carmem já não podia mais vir, afinal jogaram muita terra sobre ela na outra semana. Mas a vizinha viera em seu lugar, pequena porém austera. E ele, tão sabido quanto seus sete anos lhe permitiam, tratou de se arranjar longe dela. Mulheres são um perigo, ele entendia bem. Aquelas trancinhas, ele as viu nos filmes e sonhos, tinha medo da forca que podiam virar. E

Farmakon

Preciso urgente de uma pílula. A tal. Injetora de ânimo e coragem - vigor. Mas ela não existe, não aqui perto de casa. Os homens a proíbem. Espera. Talvez não seja essa pílula. Eu quero aquela outra. A de fórmula indecifrada. Será que há uma conspiração a esconder-lhe a receita? Decidi. Vou a Pasárgada. Pedirei ao rei, ele me há de prover com um estoque decente. Ei! Por favor! Preciso do telefone de um táxi! Como é? Não sabe o caminho? Mas que droga, odeio esses novatos. Vá, vá. Você não me serve. Vou a pé. Cadê meu guia de bolso? Ah, esqueci, aqui não sou turista. Pô! Por que só os turistas é que carregam as coordenadas do mundo? Que injustiça. Quando voltar de lá, anoto no meu bloquinho: quero ser turista na próxima encarnação.  Vou pedir a Iemanjá. Carregar aquelas Canon ultramodernas, lambuzada de filtro solar. Igualzinho o poema. Aliás, o poema não era sobre turistas, por que falava de filtros então? Isso me lembra a história do andróide que queria ser menino e foi procurar a fada