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Mostrando postagens de dezembro, 2010

Das poeiras que me cercam o sorriso

Não sei mais o que é adeus. Ou a Deus. Fui perdendo os dois aos poucos, mas posso me lembrar vividamente do dia em que descobri o que era ir embora. Fazia frio, e eu tinha acordado cedo para uma das obrigações infantis de uma família então católica. Escutava há duas horas cantorias e pais-nossos e fábulas sobre o joio, o trigo e os homens. Toda aquela atenção a histórias que perdiam a graça perto dos Lobatos e Shakespeares me entediava um pouco. Completava meu livro com palavras copiadas da página anterior, como dizia no enunciado, já certa de que havia algo de errado naquilo tudo. E pensava nos olhos dele. Naquela ternura azul brilhante que irradiava toda vez que sorria. O lugar onde me encontrava agora aumentava minhas preces, que não se pareciam em nada com o que me haviam ensinado. Tinha aprendido a conversar com Ele nas noites de lua clara em que os gritos e brigas reinavam na cozinha logo abaixo de meu quarto. Costumava fugir para o quarto de ninguém, abrir a enorme janela de v

No palco descampado

—Ainda escrevo pela necessidade de expulsar o que sobrou – disse ele, por linhas tortas que não eram para mim. Mas era como se tivessem saído de minha boca. Cada palavra gélida e triste, carregada da felicidade do amor que um dia foi, e que então resolveu ir de vez, e nunca mais voltou. Sinto cada pensamento dele correndo pelas sinapses, como se fossem apenas velhas memórias que eu estivesse relembrando. Sei que deve parecer um pouco psicótico. Mas foi isso o que pensei, como era possível que soubesse tudo a meu respeito? Ou que duas histórias se repetissem? Ou que cada vírgula e pausa combinassem perfeitamente comigo? Sei que nas montanhas as noites são parecidas. Na imensidão de terras e vales, o olhar é logo atraído pelo céu, fascinado por suas nuvens embaçadas e raios de luz atravessados. Não há mar que leve para longe as saudades de tantos dias. Não há Iemanjá que resolva nossos problemas. Cai tudo sobre nós, que recorremos ao campo para transformar cada semente de emoção na últi

Quanto do teu sal

A sétima palavra mais difícil de ser traduzida no mundo todo não é outra que não a nossa Saudade. Cunhada através dos tempos por meio do latim para Solidão, nossa Saudade criou raízes na época das grandes navegações, provavelmente para descrever o sentimento das mulheres deixadas para trás pelos marinheiros de outrora. Uma sensação de falta, um desejo de possuir o que já fora seu, a privação da companhia, a solidão, certa incompletude, melancolia e nostalgia. O sentimento da espera. Tudo junto. Saudade, em sua essência, transcrevia um sofrimento. A dor da perda, do tempo atuante, da distância. Algo que só acabava se o matassem. O que torna ainda mais curioso como, nos tempos modernos, criamos certa veneração pela Saudade. Conseguimos a proeza de transformá-la em um sentimento belo, bonito de ser sentido e vivido. Lembranças doloridas passaram a nos trazer um sorriso aos lábios junto às lágrimas quase secas. O mar salgado de Fernando Pessoa já estaria doce nos tempos de hoje. Aprendemo

Stiflesiac

Com você aprendi na marra a ser menos egoísta, a amar de longe o que jamais estaria perto, a ter carinho quando tudo o que eu sentia era ódio. A segurar nos olhos as gotas amargas ao ver um sorriso, a abafar o grito incapaz de julgar. Não fiz mais manha ao perder uma discussão, e descobri como abandonar silenciosamente qualquer navio que naufraga. Aprendi a ter insônia. Parei de procurar pelo elo perdido e me cansei do mundo explicado. Enfim, enchi as malas de dúvidas e percebi que podia, sim, ser divertido conhecer o futuro aos poucos, de partida em partida, de país em país. Ainda que seja pouco.