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Mostrando postagens de janeiro, 2008

Arengas

A modernidade tem várias cores. Cada cor, uma palavra, cada palavra, mil dizeres. Cada um pendurado em uma letra. Não são mil letras, mas as palavras dão conta do recado. Sim, na maioria das vezes. Nas outras, talvez maioria também - há controvérsias e o IBGE ainda não divulgou seu parecer oficial, o corpo se encarrega do recado. Geralmente, os olhos. Mas a boca também ajuda. Quase ninguém repara nos vincos do rosto, mas quanto eles têm a dizer! Aliás, segundo dados estatísticos, apenas 8,34% das pessoas conseguem se comunicar plenamente com as mãos. Surdo-mudos não contam. Bom, podem contar também, e olha que vão além dos vinte dedos! Ah, calculadora manual, como você é requisitada! Vejo-a por todas as esquinas, espalhando seu perfume burro. Em livros também. Livros complicados de matemágicas extremamente simples, que enganam com facilidade observadores desatentos. Pois é, eles também são bons comunicadores. Os livros, quero dizer. Porque as pessoas têm problemas - não me diga - enorm

A nickel, a dime, a quarter.

Fácil como se perder na escuridão prateada dos La Paloma que não voltam mais. Que, aliás, não deveriam mesmo voltar. Que nem chegaram ainda. Pudera, alguém apertou o pause. E estava bem na metade! Que nostálgico, lembrou-me agora já ter dito em algum lugar sobre a alegria de histórias sem final. Infinitas. Completáveis, escrevíveis e o escambau. Delícia. Pois é, fácil assim. Não deveria, mas e aí? Assim se entende a dependência dos viciados, com a sua própria. Assim se glorifica o mundo, sem ter que olhar abaixo da linha da ponte. Assim é a anestesia, um prazer inconsolável. Mas ei, vovô me contou, o mesmo pó que nos adoece também nos permite admirar o sol nascer. Até o próximo comprimido.

No teatro

-Ele é mesmo bom, né? -Demais! -E ainda por cima, é um gato! -Ah, você acha? Eu prefiro o outro.. Ainda mais assim, de seminarista. Fica um charme.  Mas ele anda tão magrelo! -Impressão.. Olha aqueles bíceps! -E as pernas de saracura.. -Ah, vai me dizer que dispensava um homem desses? -Aí também não, né. Mas é que eu não caço faz dias.. -(meses) -O quê? -Nada, já viu como essa cortina é bem mais bonita que a do Palace? -É um tom de vermelho lindo. Mas, voltando ao que nós estávamos falando.. -Sim? -Seu homem tem um grave defeito. -Grave? Como? -Incorrigível. -E qual é? -A barba. -Oras, mas ele nem tem barba! -Por isso mesmo. Já percebi que seu pecado é a barba. Daquelas cerradas. Olha o Tom, o Edu, o Pedro.. -Não, não tenho nada disso. Foram apenas coincidências. -Como se eu não soubesse dos pedaços que você guarda de cada uma delas até hoje! -É apenas lembrança. -Sentimental. -Lembrança é lembrança, sentimental ou não! -E você não fica, à noitinha, deslizando os dedos sobre suas lembr

Retrospecto

Ontem me contaram da menina serpente. Vivia distraída e um dia se picou. Verteu ralo sangue pelos olhos. Deu gritos roucos por ar e ajuda. Embebedou-se com a luz das estrelas. E, como a dor não passasse, mordeu-se. Mordeu-se no intuito de acelerar a morte, acabar com sua vida dolorosa e ridícula. Já se conformara, aliás, já até entendera: o mundo, sem ela, continuaria o mesmo. Opa. Então, com ela, havia ainda uma chance? Sua seiva mortífera avançava pelas artérias, discutia ferozmente com seu coração. A menina mordeu-se da dor. Forte. Por longos minutos. E, assim, acabou o veneno por antídoto sem que ela percebesse. Enclausurada no silêncio da mata, foi-se recuperando. A cor voltou-lhe às bochechas e os olhos se acenderam. Pois bem os gregos já o diziam. Até hoje.