No palco descampado

—Ainda escrevo pela necessidade de expulsar o que sobrou – disse ele, por linhas tortas que não eram para mim. Mas era como se tivessem saído de minha boca. Cada palavra gélida e triste, carregada da felicidade do amor que um dia foi, e que então resolveu ir de vez, e nunca mais voltou. Sinto cada pensamento dele correndo pelas sinapses, como se fossem apenas velhas memórias que eu estivesse relembrando. Sei que deve parecer um pouco psicótico. Mas foi isso o que pensei, como era possível que soubesse tudo a meu respeito? Ou que duas histórias se repetissem? Ou que cada vírgula e pausa combinassem perfeitamente comigo? Sei que nas montanhas as noites são parecidas. Na imensidão de terras e vales, o olhar é logo atraído pelo céu, fascinado por suas nuvens embaçadas e raios de luz atravessados. Não há mar que leve para longe as saudades de tantos dias. Não há Iemanjá que resolva nossos problemas. Cai tudo sobre nós, que recorremos ao campo para transformar cada semente de emoção na última flor do Lácio. Não, decidi, não acredito em destino. As tuas cores devem vibrar mais sob a lua daí, que finge aparecer para mim. Mas sinto falta das palavras, e, ao percorrer tuas páginas com os olhos afogados de espanto, o alívio é quase imediato.

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