Um olhar duro sobre o serene
Eu queria pedir desculpas. Mas sabia que já não era culpa
minha. Talvez nunca tivesse sido, na verdade. A velha mania de querer sempre me
pôr na história, nem que fosse pra ser a culpada de tudo. A vilã, a mocinha, a
figurante. Só queria participar.
Se um dia algum destemido se propusesse a analisar as
poeirentas páginas da minha infância, quiçá poderia dizer que fui muito
reprimida, envergonhada, escondida. Mas apanhei muito até aprender a ficar
calada. Cada estalo amargo era uma lágrima em silêncio que corria seca por meu
rosto, ciente de não poder sequer existir. Aprendi a ser dura. Inclusive comigo
mesma.
Mas, como a larva que um dia se fecha e vira pupa, eu me
abri ao mundo. Descobri que existir era muito mais que deixar calar. E talvez
tenha tropeçado algumas vezes em deslizes infantis, sem saber ou poder saber
escolher qual degrau era o mais firme. Por sorte, encontrei alguém ao meu lado,
ajudando-me a subir a escada. Porém, também por ironia, acabei subindo degraus
que talvez não fossem meus, se não fora a ajuda. De modo que, assim que me vi
longe dela, não sabia mais aonde ir.
Como alguém que percebe ter tomado o caminho errado, me
virei e desci os degraus lentamente, disposta a continuar em outra direção. Uma
direção em que não precisasse de ajuda.
Mas foi tolice. Percebi que ninguém vai a lugar algum
sozinho. Ou, se vai, chega só.