Antes das cinco
Ela plugou os fones de ouvido no notebook. Estava no ritmo de música, mas mesmo assim não perdia a besta educação de não incomodar os outros o máximo possível, ainda que esses outros a incomodassem. Havia tido um dia cheio, cansativo, e agora precisava descansar. Lembrou do latte que tomara no outro dia com as amigas, em como fora divertido perder-se junto de quem se gosta. Não era fácil, ela sabia, ordenar seus pensamentos. Eles voavam como cupins de primavera, intrometendo-se em todos os cantos e vãos onde a luz aparece. De repente, como se os cupins tivessem se transformado em abelhas rainhas furiosas uma com a presença da outra, a revolução começou. Um pensamento se debatia com o outro, mais bêbados do que se estivessem realmente ébrios. Como toda revolução, eles se muniram de vários argumentos, colocaram-nos em trouxinhas, pegaram as facas e canivetes e começaram a se atacar de todas as direções. As trouxinhas, claro, voaram longe. Em um estrondo silencioso, os argumentos se quebraram. Apenas os pensamentos lutavam, sem mais razão, ponto de partida ou de chegada. Queriam brigar, enfurecer-se, revoltar-se. E a música ajudava – hoje, infelizmente, não era dia de Mozart; quem saberia quando seria, se continuasse assim?
Então a menina parou. Abriu a pasta de fotos, relanceou algumas. De que ano seria aquela foto ali? Oh, céus. Começava a esquecer-se de datas, fatos e coisas que fizera. Percebeu que agora precisava das fotos para relembrar. Quando começara a envelhecer desse jeito? Sentia-se com trinta anos. Já tinha feito tanto, aproveitado tanto, mas os últimos meses foram parados. Os pensamentos continuavam brigando. Pensou no latte com as amigas. Pensou em como chegaram até a Starbucks. Como se perderam no caminho. Como ela tinha-se perdido no caminho. Como ainda estava meio perdida. E, num átimo, os pensamentos se dissiparam e surgiu um só, confiante. Estava sozinho, mas era daquelas nuvenzinhas arrogantes que têm a insuportável noção de que sabem exatamente o que estão fazendo. Estava perdida, sem dúvida; mas havia aquela nuvenzinha. Então, esquecendo-se do resto do mundo e embaralhando a letra da música, ela se viu num redemoinho que arrancou aquele pensamento de si. Ele foi embora e trouxe, com sua ausência, todas as lembranças e memórias que se haviam perdido com o tempo. Claro, ela já se perdera outras vezes. Só não lembrava qual caminho havia tomado nessas vezes.
A música que tocava acabou subitamente, e ela encheu-se de tristeza por isso. O que acontecia com as músicas, que não se repetiam indefinidamente quando a gente queria? Passou a música seguinte, melosa demais para a hora. Passou a próxima. Não queria mais ouvir nada. Até que chegou àquela do Pearl Jam de que tanto gostava. Ah, sim. Ela podia ainda escutar muitas músicas. E ela faria exatamente o contrário do que a música dizia. Ah, faria. A revolução em seus pensamentos estava quase acabada. Claro, como a maioria das revoluções, essa não mudaria muita coisa. Muito voltaria ao que era antes. Como um ciclo. Havia porém um grupinho de pensamentos que se solidificara em memória. Sólidos como estavam, nunca mais sairiam dali. Não importava para a menina; que morressem ali com ela – realmente, até que achava bom tê-los por companhia. Ficariam bem instalados, ela faria questão de que tivessem sempre todo o necessário para a sobrevivência naquele estado. O último acorde da guitarra se esvaneceu na atmosfera mais leve do quarto. A próxima música não tardaria a começar. E sua mente estava em paz.
Então a menina parou. Abriu a pasta de fotos, relanceou algumas. De que ano seria aquela foto ali? Oh, céus. Começava a esquecer-se de datas, fatos e coisas que fizera. Percebeu que agora precisava das fotos para relembrar. Quando começara a envelhecer desse jeito? Sentia-se com trinta anos. Já tinha feito tanto, aproveitado tanto, mas os últimos meses foram parados. Os pensamentos continuavam brigando. Pensou no latte com as amigas. Pensou em como chegaram até a Starbucks. Como se perderam no caminho. Como ela tinha-se perdido no caminho. Como ainda estava meio perdida. E, num átimo, os pensamentos se dissiparam e surgiu um só, confiante. Estava sozinho, mas era daquelas nuvenzinhas arrogantes que têm a insuportável noção de que sabem exatamente o que estão fazendo. Estava perdida, sem dúvida; mas havia aquela nuvenzinha. Então, esquecendo-se do resto do mundo e embaralhando a letra da música, ela se viu num redemoinho que arrancou aquele pensamento de si. Ele foi embora e trouxe, com sua ausência, todas as lembranças e memórias que se haviam perdido com o tempo. Claro, ela já se perdera outras vezes. Só não lembrava qual caminho havia tomado nessas vezes.
A música que tocava acabou subitamente, e ela encheu-se de tristeza por isso. O que acontecia com as músicas, que não se repetiam indefinidamente quando a gente queria? Passou a música seguinte, melosa demais para a hora. Passou a próxima. Não queria mais ouvir nada. Até que chegou àquela do Pearl Jam de que tanto gostava. Ah, sim. Ela podia ainda escutar muitas músicas. E ela faria exatamente o contrário do que a música dizia. Ah, faria. A revolução em seus pensamentos estava quase acabada. Claro, como a maioria das revoluções, essa não mudaria muita coisa. Muito voltaria ao que era antes. Como um ciclo. Havia porém um grupinho de pensamentos que se solidificara em memória. Sólidos como estavam, nunca mais sairiam dali. Não importava para a menina; que morressem ali com ela – realmente, até que achava bom tê-los por companhia. Ficariam bem instalados, ela faria questão de que tivessem sempre todo o necessário para a sobrevivência naquele estado. O último acorde da guitarra se esvaneceu na atmosfera mais leve do quarto. A próxima música não tardaria a começar. E sua mente estava em paz.