Um mergulho da alma
Depois de um maravilhoso dia de sono, desperto com a alegria renovada de quem cumpriu seu dever. Abro as janelas para respirar o ar fresco de um fim de tarde. O sol ainda brilha tênue no horizonte enquanto pego uma calcinha limpa e uma regata e atravesso o quarto até chegar no banheiro. Esqueço a porta aberta, mas não há ninguém em casa. Desço as calças do pijama, que deslizam pelas pernas como cetim e logo caem ao chão. A calcinha é a próxima, e tem o mesmo destino da blusa. Passo uma escova pelas mechas revoltosas do cabelo, tirando os nós do travesseiro agitado de sonhos. Vou até o boxe e me aventuro com a ponta do pé no mármore gelado. A temperatura sobe em calafrios pelos dedos, tornozelo e perna. Estico a mão e abro o chuveiro. Bem pouco, só um filetinho de água fervente. O choque térmico me preenche com uma sensação de prazer infantil. Sei que posso mais. Continuo a virar a válvula e a água cai num jorro pesado de gotas translúcidas. Passo o outro pé para dentro do boxe, e me acostumo à poça que vai se formando no chão antes de escoar pelo ralo. Junto as palmas das mãos como uma canoa, levanto os braços e faço a água escorrer por eles até o peito, esquentando toda a pele. Aumento um pouco mais a ducha quente, e apoio os cotovelos cruzados nas válvulas da parede. Minhas costas se inclinam como um morro que virou planalto depois da inundação. Fico ali, de cabeça baixa, sentindo a água escorrer pelo cabelo, descer lentamente pelo torso e pernas até chegar no ralo. A força daquela chuva que me banha numa onda de vapor fumegante massageia-me as costas, numa sensação única de regojizo. Posso sentir os desenhos que a água traça ao percorrer meu corpo, as histórias que conta de cada vão e curva, as linhas que me rajam as costas e o ventre. O sol se esconde atrás das montanhas, deixando escapar escassos raios alaranjados que invadem a janela. Os azulejos da parede me apóiam, o chão me sustenta, e a água me destrói aos poucos, lavando todas as incertezas e tensões dos últimos dias.