Dois minutos no metrô

Ventava, mas seus cabelos não se mexiam. Ela estava sozinha, única passageira para Zona Sul, meia-noite de sábado. Talvez Zona Sul fosse mais baladeira, ficasse até mais tarde pelas ruas. Ou o contrário, não se desse ao luxo de sair até tais horas. Mas aqui, do outro lado, Zona Norte, havia mais. Três pessoas estranhas sentadas, uma família com traços indígeno-paraibanos, uma mulher estafada e dois homens tontos de trabalho, de cerveja, fartos. Aqui os cabelos se mexiam. Os cachos invadiam os olhos, faziam propagandas urbanas de xampu, ficavam louros, vermelhos, negros. E lá, nada.

Enquanto seu trem não chegava, ela cada vez mais se acoplava à paisagem. A meia-calça verde incrivelmente pendia à tonalidade herbal das paredes, e a saia jeans, coberta pela bolsa giz, não podia combinar mais com as cadeiras também brancas. Ajeitava seu lenço no pescoço, olhava à sua direita. Era como se não existisse mundo a sua frente. Ela queria o trem, olhava por ele, voltava e tombava a cabeça. Quem sabe pensasse em seu marido já em casa, ou mais provavelmente não tivesse um, para chegar a essa hora. Mas ainda assim pensasse nele, em quem deixou de ser seu marido para que ela pudesse voltar a essa hora. Teria valido a pena? Não havia sorriso em seus lábios, mas nenhuma tristeza se esboçava. Assim como seu visual, sua personalidade também se integrava ao seu redor. Urbana, neutra.. passiva?

Ventou mais um pouco do lado de cá. A estação tremeu milímetros, não que alguém houvesse notado. Estavam todos preocupados em achar uma porta aberta na parede de metal que logo surgiu em frente. Pelas janelas dos trens, eu a vi se levantar, bater as mãos na saia amarrotada, esticar o lenço vermelho e pendurar a bolsa no ombro. Posição de luta. Entrou, guerreira, no trem sozinho rumo ao Sul, e se sentou novamente. Quem a visse agora imaginaria que sempre estivera ali. Fazia parte de outra paisagem, e seus cabelos nem sentiram o arranco do trem quando partiu.

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