Capítulo Primeiro
O chinelo arrastando pela casa. A mãe e a vó no fogão, cuidando para que o frango fosse pontual e saboroso. O lustre da sala meio torto, meio pendido, cheio de mosquitos mortos. Os dois irmãos mais velhos discutindo a teoria de Einstein aplicada à corrida dos cavalos na televisão. O tapete enrugado, moído por tantas pisadelas descuidadas. O avô com seus jornais, contando ao filho, talvez pela enésima vez, suas histórias de guerra. O pratinho de azeitonas quase caindo na beirada da mesa. Os cachorros latindo, as rodas levando os carros adiante na rua. O chiado do fogo, baixo, ensurdecedor. Tudo sempre igual. Verdade que tia Carmem já não podia mais vir, afinal jogaram muita terra sobre ela na outra semana. Mas a vizinha viera em seu lugar, pequena porém austera. E ele, tão sabido quanto seus sete anos lhe permitiam, tratou de se arranjar longe dela. Mulheres são um perigo, ele entendia bem. Aquelas trancinhas, ele as viu nos filmes e sonhos, tinha medo da forca que podiam virar. E...